MEMÓRIAS DE MENINO
Crônica finalista Estadual do Mapa
Cultural Paulista 2011/2012.
Foto por Roberto Prestes de Souza – Porto Feliz
Minha noção de tempo não
aconteceu em um aniversário como toda criança. Nem me lembro da idade ou dos
anos que se passaram até a data… Oitenta e dois ou oitenta e três? Não sei ao
certo. Minhas lembranças não conseguem cuidar disso. O que lembro é que toda
tarde após as aulas eu caminhava até o bebedouro de cavalos na avenida central
de minha cidade. Era na verdade uma grande bacia de cimento que para mim
definia o caminho de ida e vinda dos carros e charretes que por ali passavam.
Ficava ali de pé frente ao
bebedouro que me ficava na altura do peito. Às vezes subia e molhava os pés e
ficava olhando as ondas que se formavam no indo e vindo.
Era isso. Simples assim.
Um dia não o encontrei e descobri
a ausência… O tempo das coisas. O início, o meio e o fim de tudo.
Na verdade foi a primeira medida
de tempo que participei. Sabia de contagens dos números que chegavam ao fim nas
aulas de matemática na escola. Sabia dos parentes já idosos que também tinham
um fim. Dos colegas, poucos, que mudavam de cidade, e eu acreditava que um dia
voltaria a encontrar, mas não conseguia identificar nisso tudo a especialidade
do bebedouro da avenida central.
Tenho certeza que neste dia perdi
mais do que pessoas ou objetos. Me perdi. Perdi a infância. Ganhei data. Idade.
Estava no mundo há 10 anos. Cresci.
Vários outros 10 se passaram e
outros espaços sumiram também. Casas, prédios, cancelas, os trens de
passageiros com seus apitos avisando partidas ou chegadas. Imagens que passaram
por minha vida e que não pude contar em números ou em outra linguagem
matemática.
Hoje tudo é memória, lembrança,
história de tio. Vestígios de uma eternidade perdida. Memórias que não existem
mais ou que apenas deixaram pistas de sua existência. Cenários que convalescem
e hoje estão com seus dias contados.
Continuo observando estes espaços
e as transformações de minha cidade sabendo que na verdade é isso que me
credencia a ver o mundo sob um novo ângulo, pois foi a partir do sumiço do
bebedouro que passei a olhar tudo com mais carinho, com mais cuidado, mais amor
e tolerância… até que um dia se conte também o meu tempo.